domingo, 5 de setembro de 2010

Pai-Mãe Nosso de Cada Dia

Pai-Mãe, respiração da Vida,
Fonte do som. Ação sem palavras. Criador do Cosmos!
Faça sua Luz brilhar dentro de nós, entre nós e fora de nós
Para que possamos torná-la útil.

Ajude-nos a seguir nosso caminho
Respirando apenas o sentimento que emana do Senhor.

Nosso Eu, no mesmo passo, possa estar com o Seu,
Para que caminhemos como Reis e Rainhas
Com todas as outras criaturas.

Que o Seu e o nosso desejo sejam um só,
Em toda a Luz, assim como em todas as formas,
Em toda existência individual, assim como em todas as comunidades.

Faça-nos sentir a alma da Terra dentro de nós,
Pois, assim, sentiremos a Sabedoria que existe em tudo.

Não permita que a superficialidade e a aparência das coisas do mundo nos iluda.
E nos liberte de tudo aquilo que impede nosso crescimento.

Não nos deixe ser tomados pelo esquecimento
De que o Senhor é o Poder e a Glória do mundo,
A Canção que se renova de tempos em tempos
E que a tudo embeleza.

Possa o Seu amor ser o solo onde crescem nossas ações.


Amém.


Esta é uma tradução do Aramaico.

sábado, 4 de setembro de 2010

O inferno não são só os outros.

“O inferno são os outros”
Jean Paul Sartre


Introjeção
1.Psican. Mecanismo psicológico pelo qual um indivíduo, inconscientemente, se apossa de um fato, ou de uma característica alheia, tornando-o(s) parte de si mesmo, ou volta contra si mesmo a hostilidade sentida por outrem.

O título poderia ser também: "A pessoa que só consegue olhar para si mesma."

É interessante como algumas pessoas nunca conseguem se enxergar com parte do problema ou, ainda, como a origem do problema todo. São hábeis em identificar o erro alheio, ou o quanto a outra pessoa é capaz de fazer errado o que, claro, a leva a sofrer. Pior, o que o outro faz justifica os seus próprios erros. A lógica do “eu erro porque ele(a) me leva a isso” é uma fuga colossal de qualquer coisa, mas, também, é uma injustiça com relação ao outro. Essas pessoas, críticas de tudo e de todos, precisam sempre achar algum defeito no outro para poder mostrar a sim mesmo e ao mundo que são melhores do que a coisa classificada como errada. Normalmente são pessoas inflexíveis e que não suportam nem a ideia de estarem erradas diante do julgamento de outros e de si próprias. A formação repressora, rígida e com o elemento culpa estão presentes nelas. Elementos punitivos interpsíquicos e depois intrapsíquicos são o pano de fundo. Mitos, lendas, estórias inocentes são componentes, mas a religião parece ser o elemento principal para criar um tribunal interno onde nada pode passar sem avaliação. Muitos pais criaram e criam seus filhos com o respaldo da Inquisição. Criam normas e condutas baseadas em suas próprias distorções do mundo, mas o que valida é a forma como utilizam a religião nessa repressão desmedida. Quando adultos, sem a firmeza dos pés no chão e com o vício e a necessidade de avaliar criticamente tudo que está à sua volta, têm a auto-estima sempre no limiar inferior. A transferência da origem dos problemas para o outro apenas revela o medo de olhar para si próprio. Outra ideia é de que quando se olha para si mesmo e não gosta, isso é recalcado e projetado para fora. Declarações do tipo: “eu sou assim por sua causa” ou “eu só fiz assim por sua culpa” são expressões que com certeza conhecemos alguém que as fala. Trata-se de uma transferência injusta de responsabilidade e, ainda, de uma forma de fugir da autopunição. Ora, se ele critica, julga e condena determinada ação, como aceitaria para ele mesmo? Nesse ponto pode surgir outra distorção, a de que “eu posso fazer isso, mas o outro não”. Algum mecanismo dá o aval para que “eu” tenha respaldo para transgredir as próprias regras sem se punir. “Eu posso”, pois há o respaldo em algum valor universal, como a honestidade, a sinceridade, elementos que “eu” não identifico de forma satisfatória no outro. Ou seja, recorre-se a mais uma fuga em que o outro é deslocado. O paradoxo está em que tudo de ruim é feito pelo outro, mas porque exatamente “eu” não consigo olhar o outro. Só vê a si mesmo e às próprias crenças (sentido amplo). O indivíduo não consegue ter empatia e exercitá-la. Ele vê no outro a origem e fim de todos os problemas.

Caso todo esse processo fosse inconsciente, o problema seria mais fácil de ser lidar no dia-a-dia. Digo isso porque não é fácil para alguém conviver com indivíduos com essa característica. É fácil imaginar que se você for a outra pessoa, ou seja, aquele que tudo causa, você será o réu preferencial de tudo que ocorra e que possa ser um “erro” compartilhado ou só do outro mesmo. O rito de crítica-julgamento-sentença-punição é o seu dia-a-dia. Lembrando que a chance de você ser o culpado nesse tribunal é quase total. Seu desgaste vai ser sempre gigantesco para provar ao tribunal que você não tem nada a ver com o que está acontecendo. E haja energia, paciência e fé. Os diálogos passam a ser braços-de-ferro para ver quem tem a razão. A pessoa que só olha para si, sempre vai ter certeza de que está certa e vai gritar, rosnar e agredir da forma que lhe for peculiar. Você – o “réu” – será alvo de críticas ainda maiores, sendo chamado de criança mimado, fraco, coitadinho, e de qualquer palavra pejorativa que o desqualifique. Ou seja, por mais que tenha razão, tudo será encarado como afronta por aquele que só vê a si mesmo. Como ataque, passa a desdenhar e a tentar desqualificar o outro, o que o deixará mais e mais irritado. Ele lhe dirá que você está sempre querendo fazer o papel de vítima. Só que muitas vezes você é vítima mesmo. É um círculo vicioso e que só termina quando o crítico-juiz de tudo, por alguma luz divina, consegue ver o quanto é inflexível e quantos erros comete. Isso pode levar anos ou nunca ter fim.

Quando você se dá conta, está vivendo a vida desse outro, que só vê a si mesmo, mas que diz que só tem olhos e ações para você. A sua vida passa a ser contemporizar, entender, aceitar, orar, pedir ajuda, sofrer, bater com a cabeça na parede, tudo pelo outro. Nessa altura, você se pergunta o quanto você, de fato, tem participação nos problemas. Com toda certeza você tem participação sim em quase tudo que ocorre. A questão é que nem sempre você é culpado pelos dissabores que ocorrem. Os que tem alguma tendência a sentir culpa, também resultado de uma formação punitiva, vão ouvir essas acusações e introjetar de tal forma que passam a pensar que realmente são o problema. Caso deem sorte, um dia vão acordar e perceber que essa situação é pesada demais, é irritante. A responsabilidade que o outro joga para cima desse indivíduo é desmedida. Quando ele quer crescer, primeiro tem de vencer a própria culpa de estar tentando evoluir, pois isso desagrada aquele que o vê como causa de tudo. Nesse momento, como dificilmente a evolução de ambos é simultânea, tem de exercitar algo bem difícil a tolerância e a compreensão próxima ao próprio Buda. Passa esse eterno acusado, agora um pouco mais evoluído, a ter de conviver com uma situação que lhe é desagradável e que passa a ser pior porque ele tem consciência disso, mas o outro não. Não é nada fácil viver isso, pois o questionamento sempre vem à tona para fazer titubear e refletir se o que estamos fazendo está certo. Será?

Não se acerta sempre, mas também não se erra sempre. O inferno não são só os outros que constroem.


Mano Jone