segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Cadê a minha festa joanina que estava lá?

A véspera de São João, em grande parte do país, é equivalente à véspera de Natal em outra parte. Aguarda-se a data com muita animação, pois há um significado muito grande. Além do simbolismo católico da fogueira acesa por Isabel para avisar Maria do nascimento de seu filho João, que posteriormente batizará e se tornará o batista, também coincide com o tempo de fartura com a colheita do milho. E isso não é desprezível, pois os irmãos que moram no nordeste sempre conheceram a miséria dentro de casa, patrocinada pela má intenção de manter a ignorância, a dependência e os currais eleitorais. De outro lado, há muito tempo eu não ia ver de perto os festejos de São João no interior da Bahia. Confesso que não tinha muita esperança, pois escutei relatos desanimadores ao longo dos últimos 20 anos. Mesmo assim – o ser humano é teimoso demais – fui ver a festa. Encontrei outro mundo. Ao invés das tradicionais fogueiras colocadas nas ruas, havia a proibição expressa da prefeitura de que não se poderia acender nada em cima do asfalto a fim de preservá-lo. Veja você, mesmo com o fogo da fogueira queimando para cima, o calor pode danificar o asfalto, imagine o sol e os carros passando. Talvez se a pavimentação fosse decente, com sub-base e outras coisas, o asfalto sobreviveria. Só para se ter uma ideia, nos Estados Unidos a profundidade do piso, onde vão rodar carros e caminhões, é de 30 centímetros! Na Europa, 40 centímetros, isso incluindo camadas de brita, concreto, areia e, por fim, como acabamento, o asfalto. No Brasil, a profundidade chega a ser de 8 centímetros ou menos e é só um pouco de brita e asfalto. Daí não é difícil imaginar que uma fogueira de São João vá danificar o asfalto. E a pobrezinha da fogueira será culpada, junto com quem acendeu, pelos buracos que o descaso, a chuva ou o calor trarão. Logo entendi que eu não ia poder ficar ao lado da fogueira jogando umas bombinhas para estourar, nem assar uma espiga de milho, nem ver o crepitar gostoso do fogo. Bom, mas restava ouvir o tradicional forró "pé-de-serra", aquele onde há um trio composto de sanfoneiro, zabumba e triângulo. Procurei me informar onde eles se apresentariam e só ouvi risos e suspiros. Risos porque olhavam para mim com um ar arqueológico de que esse tipo de coisa só acontecia no Egito Antigo. Suspiros dos mais velhos, que sabiam do que se tratava. Em suma, não existia mais. No entanto, de vários anos para cá as prefeituras, sempre pensando no bem estar de seu povo, montam um palco gigantesco no meio da praça e colocam "bandas" de forró. Quando você as ouve percebe que o forró só está no nome. Seria mais honesto batizar de outro nome o tipo de música que elas fazem (considerando que aquilo é música). A praça repleta de gente, pois não há alternativa, olhando para os lados caçando companhia. Dançar? Sabe que isso até acontece! Ouvi dizer que essa indústria de bandas e shows pelo interior foi algo adotado imediatamente pelas prefeituras, pois conseguiriam superfaturar os shows e embolsar a diferença. Acho que isso é comentário de gente invejosa, pois essa prática não acontece no Brasil.
Então é a hora do show. Bebida típica? Cerveja. Sim, a mesma que promove tsunamis no verão. Cadê meu licorzinho? Só nas casas. Sabe como era isso há 15 ou 20 anos? As pessoas faziam suas fogueiras em frente às casas, que ficavam de porta aberta para receber quem chegasse. As pessoas saiam para fazer suas visitas, comiam alguma coisa típica, bebiam um licorzinho e iam para a próxima casa. Um sensacional exercício de socialização e alegria. Hoje, essas famílias têm medo de abrir o portão da rua, quanto mais a porta de casa, porque sabem que quem vai chegar são ladrões. Graças à incompetência nacional em resolver questões sociais que levam à violência, todos se trancam. O comentário dessas famílias é de uma resignação frustrante: o que se há de fazer? É a triste constatação que a violência se tornou algo natural. E por falar nisso, procurei também uma quadrilha típica com gente vestida de caipira e dizendo "olha a cobra", "caminho da roça", "anarriê", "alavantú", "balance" etc. Perguntei onde eu poderia ver essas quadrilhas e a resposta mais frequente foi que eu procurasse em Brasília, que é onde estavam as grandes, mas, se eu quisesse algo menor, poderia achar por ali mesmo perguntando a algum político. Não entendi direito o que isso quis dizer, mas acho que é porque os representantes do povo estão atentos às folias populares.
Quando se vê o conjunto da obra com cerveja, bandas sertanejas tocando qualquer te-re-te-tê, nenhuma música de Gonzagão, camarotes e gente vestida de cowboy americano, nos resta sentar no chão de asfalto frio e constatar novamente que o capitalismo devora tudo que vem pela frente. Uns dizem que a Grande Prostituta citada no livro do Apocalipse é o comunismo, mas é o capitalismo, que se vende e faz qualquer coisa por dinheiro. Não que o comunismo funcione, aliás, só é fachada para algumas ditaduras. A máquina de ganhar dinheiro não pode parar e continua devorando culturas regionais, pasteurizando, homogeneizando e nivelando tudo por baixo. A ideia é que todos consumam algo que tenha mercado e possa ser produzido em massa para obter economia de escala na produção e aumentar o lucro. A parte triste é que as novas gerações aceitam isso sem a menor resistência, muito ao contrário, são convencidas de que folclore, cultura regional e sanfoneiros são coisas de gente velha. Tudo pela modernidade. Só o novo é bom, por isso troque suas coisas velhas (televisão, carro, celular, festas populares etc.) por coisas modernas e muito melhores que as anteriores. Assim como uma nova geração de celulares pretende ser melhor que a anterior, uma nova geração de pessoas pensa que é melhor que a anterior. Dessa forma, gente e aparelhos são a mesma coisa. Essa é a lógica perversa das sociedades pós-modernas, que empurra a todos para não ficarem velhos e obsoletos, mesmo que usando de estratégias como a obsolescência programada, quando, por exemplo, se lança a versão 10 de um produto e já se tem a versão 15 pronta e bem melhor aguardando as anteriores serem consumidas.
Lá no interior onde estive, vi focos de resistência e rebeldia. Pessoas ignorando a determinação da prefeitura e acendendo suas fogueiras em cima do asfalto. Vi algumas mesinhas colocadas na frente das casas com licor e milho. São os "velhos" fazendo sua festinha saudosista, enquanto na praça a juventude curte sertanejos universitários, o que prova que nossas universidades pioraram muito. Uma pessoa culta me disse que devo encarar a realidade e desapegar do passado. É como na música "Como nossos pais" de Belchior cantada por Elis, que diz que "o novo sempre vem". Ele pode vir, mas precisa matar o que veio antes? O sujeito ainda me disse que aquela música é a que a juventude gosta. Quer dizer que em nome da modernidade devemos esquecer Bach, Mozart, Ataulfo Alves, Louis Armstrong, Luiz Gonzaga e tantos outros? Triste geração alienada e conduzida, que chafurda nessa lama nojenta e fétida chamada pós-modernidade. Por que algo que vem tem de eliminar algo que já estava aí? Por que as coisas não podem coexistir em harmonia sem que um não devore o outro? Simples: para dar lucro.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Brasil, país da esperteza

O Aurélio nos ensina que Esperteza é:
s.f. Qualidade de esperto. / Virtude de clara e fácil penetração espiritual; vivacidade ou agudeza de espírito. / Sutileza, sagacidade, finura, astúcia, manha: a esperteza nem sempre é acompanhada de uma inteligência sistemática.

No Brasil não é preciso um diploma ou uma sólida formação acadêmica para ocupar um lugar digno no mercado de trabalho.  Aqui é preciso ser esperto.  Estamos no país da esperteza, que se manifesta em todos os lugares e ocasiões.  Um grande exemplo é o chamado "jeitinho brasileiro". O que é isso se não um golpe, uma facilidade conseguida por se conhecer alguém mais esperto, um jeito de burlar o que está estabelecido. Leis e regras podem ficar velhas com o passar dos anos, mas aqui se prefere deixar esse emaranhado infindável de leis exatamente para que não possamos entendê-las.  Pouco se faz para atualizar as leis e abre-se espaço para a malandragem.  Um ditado italiano diz algo como "fatta la legge trovato l'imbroglio", ou seja, no momento em que a lei é aprovada se cria a maneira de burlá-la.  Até porque essas leis nascem com as chamadas "brechas".

Aprendemos a mentir desde pequenos como estratégia para esconder um pensamento que é só nosso.  Dessa forma, temos algo que ninguém tem.  Logo depois, descobrimos que a manipulação adequada da mentira pode trazer benefícios.  Alguns se acostumam com essa estratégia e não incluem um código de ética adequado onde a retidão de caráter seja um pilar.  Esses usarão a mentira para sempre.  Quando o caldo da formação do caráter inclui a necessidade de aprovação do outro e uma pitada de narcisismo, está pronto o que convencionamos chamar de "político".  Ou seja, alguém esperto, que sabe manobrar os recursos existentes ou não em favor próprio.  Sempre em favor próprio.  As pessoas que apoiam esse político, também miram em alguma benesse, algum destaque em relação aos reles seres humanos comuns.  Ou seja, eles querem se dar bem, passar na nossa frente sem que nós tenhamos nem sequer a noção de que isso está acontecendo.  São aquelas pessoas que enquanto você aguarda pacientemente no trânsito com seu carro direitinho na fila, eles vêm pelo acostamento passando na sua frente e rindo de que como você é otário e "mole".  São os mesmos que furam qualquer fila. São uns caras-de-pau.
 
Político não defende o povo, mas ao seu projeto particular.  O povo só recebe algo quando esse mesmo político vê ameaçada sua permanência no poder.  O chamado "grupo político" não passa de pessoas reunidas para rirem às nossas custas, nos roubando se necessário, nos excluindo e por aí vai.  Eles são espertos, assim como um ladrão comum, que prepara seu golpe para roubar.  Quando o ladrão além de não ser inteligente, também não é esperto, então ele passa para o assalto a mão armada.  Os ladrões espertos pensam cuidadosamente numa estratégia eficiente e o assaltado só é percebido depois ou, pior, nunca.  Aí estão os estelionatários e outros assemelhados.  Usam da esperteza.  Nesse caso, é até explicável, pois são pessoas que estão à margem da sociedade "normal", mas vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores e presidente não são excluídos, marginalizados.  Então, não há atenuante.

Quantas vezes vemos alguém ser promovido numa empresa sem que tenha condições para tal?  Inúmeras.  A pergunta é sempre a mesma: o que ele tem de diferente?  Em alguns casos, o diferencial é a inteligência, a formação acadêmica, o raciocínio lógico para resolver questões que os outros não veem.  De outro lado, estão os puxa-sacos, os hipócritas, os invejosos, fracos, narcisistas e mentirosos.  Claro que tudo isso vem numa roupagem elegante, não só nos trajes, mas nas palavras e na sensação de que eles poderão resolver todos os problemas.  Aliás, resolver problemas muitas vezes criados por eles mesmos.  Você conhece alguém assim?  Que azar!  Você é assim?  Que sorte, pois você está fazendo a coisa errada num país com uma sociedade que pensa ao contrário, ou seja, você está certo.  E, nós outros, que tentamos fazer tudo como manda a cartilha, somos apenas uns otários a serviço da esperteza alheia.  Somos um estoque a ser usado, como bois pastando hoje e sendo enchurrascados a qualquer momento.

Muitas são as críticas à classe política, mas pense bem se não fazemos parte dessa cultura da esperteza.  Será que os políticos não nos representam mesmo?  Creio que representam a classe dos espertos.  Para mim toda esperteza política é um truque, um lance para desviar nossa atenção e, enquanto olhamos para um lado, o ladrão corre do outro.  O país do futebol, vibra com os dribles mágicos de um craque.  O drible, sinto muito, é um truque para enganar o outro.  Será que nos identificamos com isso?  O craque não quer saber o que ou quem está pela frente, quer apenas atingir seu gol.  Há regras, é verdade, mas são burladas a todo tempo.  O drible mágico deixa o zagueiro no chão, abatido com um touro na arena.  Ele o otário perdedor, o craque o vencedor por ter artimanhas de passar por cima do outro com bola e tudo.  A essa altura alguém pergunta: mas se o escritor deste texto levar tudo por esse lado sobra o quê?  Pois é, sobra muito pouco e é por isso que vivemos num país subdesenvolvido à mercê de espertalhões, que querem ficar sempre no poder para obter suas benesses, nem que isso custe o cerceamento da liberdade alheia.

Martin Luther King disse que não se preocupava com o grito dos maus, mas com o silêncio dos bons. Junho de 2013 parece que alguns bons resolveram sair às ruas para mostrar sua indignação.  Quem observou viu sempre que havia um grupo de baderneiros e vândalos que aproveitavam a situação para benefício próprio, seja eles quais forem.  São os espertos, os oportunistas, que não estão nem aí para o que está acontecendo, mas pensando na sua atuação e como "se dar bem".  Muitos dizem que a bagunça era organizada por partido políticos exatamente para criar um clima favorável para chamar tudo de golpe e fechar o país aos moldes venezuelanos.  Quem se daria bem?  Ora, todos sabemos que não seremos nós, os simples mortais otários, manipulados e alienados.
 
Em todos os lugares do mundo as manifestações populares de massa acontecem na primavera.  A mais recente foi a "Primavera Árabe".  No Brasil aconteceu no inverno, talvez bem adequado à desesperança que nos atordoa.  Os governos, espertos, começam a se mexer para agradar a essas massas populares, pois 2014 é ano de eleição.  A popularidade da presidente caiu para 30%, despencando 27 pontos percentuais em três semanas.  Como disse Ulysses Guimarães, político só tem medo do povo na rua.  É isso mesmo, a única coisa que podemos inspirar na classe política é o medo, porque o respeito jamais teremos.

Mano Jone

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Saudade dos tempos em que as coisas estavam no lugar...

Saudade dos tempos em que as coisas estavam no lugar...  Pelo menos para mim, as coisas estavam lá certas, firmes e fortes.  Meu pai e minha mãe juntos comigo.  De meu pai a saudade.  De minha mãe ainda a dor a ser convertida em saudade.  E assim vou ressignificando a insignificância de minha finitude.
Aí vai o poema "Oito Anos" de Casimiro de Abreu.


Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!
Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
— Pés descalços, braços nus
— Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
................................
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Carnaval de Salvador: o declínio

Fevereiro de 2013.  Circuito Barra.  Camarote de altíssimo nível onde durante cinco dias foi servido uísque 12 anos.  Visão privilegiada da rua. Caminhões de trios-elétricos trazendo as mesmas figuras de sempre: os empresários da indústria do carnaval.  Baixa qualidade musical, salvo honrosas exceções.  Músicos excelentes e o som dos caminhões também.  Mas e o povo?  E o pipoca?  E a fila de trios para entrar na avenida?  Graças a Deus estão sumindo.  A visão que tive foi bem agradável: o carnaval ruindo.  Claro que sou voz destoante, pois, na nossa cultura, o carnaval representa muito mais do que uma festa, mas o momento em que (quase) tudo pode ser feito em nome da folia.  As regras são quebradas e as pessoas podem viver algo diferentes nas tais folias momescas.  Até aí, fica um sensação agradável de tudo-poder, sem recriminação, crítica o censura.  Obviamente, a marginália extrapola sempre e ocorrem roubos e furtos, brigas e outras porcarias relacionadas com o baixo nível dos desviantes.  E que ninguém venha defender os bandidos, porque, nós, os de e do bem, somos bem diferentes. Até porque a sociedade precisa manter a marginália como parâmetro de suas virtudes.  Mas essa conversa fica para outra hora.  Voltando à folia, as pessoas bebem, flertam, transam e vamos em frente.  O carnaval me parece o grande rito do acasalamento de uma parcela da sociedade. Mas ficamos aqui sem falsos moralismos e tudo é festa.  Ocorre que o ano não se reduz a cinco, sete ou dez dias.  O circuito da Barra é invadido de caba a rabo por camarotes.  Os trios e seus cordões e cordeiros, apartam os que não pagam caro para pular numa boa com gente bonita.  Os pobres e "feios" ficam no primeiro circuito, incluindo o Campo Grande, a Avenida Sete, Avenida Carlos Gomes e a Praça Castro Alves, antigo templo final do carnaval e o famoso encontro de trios (que no final dos anos 1990 já estava um saco).  Quando não existiam outros circuitos, tudo se passava lá.  Vinha um caminhão, passava, todo mundo pulava na pipoca, se divertia, paquerava, bebia uma cerveja com amigos no meio da rua esperando próximo trio.  Mas a fama foi crescendo pelo Brasil afora...  O carnaval de rua de Salvador, onde as coisas acontecem, foi cada vez mais divulgado, pelos mesmos "barões-do-carnaval" de hoje: Daniela, Chiclete, Ivete, Asa, Eva e outras porcarias mercantilistas, que perceberam um nicho gigantesco de mercado para suas músicas incrivelmente ruins.  Você não concorda?  Respeito sua opinião!  Faça o seguinte teste: lá pelos meados de agosto, coloque em casa um CD do Chicletão e ouça-o inteiro sem dispersar.  Impossível.  A tal música é fabricada para ser pano de fundo para uma multidão "sair do chão".  E o carnaval da Bahia conseguiu piorar o que já era muito ruim com aparição (isso mesmo, coisa de outra mundo) de Psiricos, Xandys, Prangolês e outros lixos.  A mídia local (e nacional) também é dominada pela paixão...  pelo amor... pelo amor ao dinheiro.  Ora, pelo amor de Deus.  Os menos de 10 empresários dessa indústria são os mesmos há 25 anos, tocando o mesmo lixo, mas lucrando muito.  Enfim, e daí, né?  Daí que em função disso, Salvador não faz mais nada.  O carnaval é o câncer que destruiu a cidade, provavelmente a orla mais feia do país.  A Barra, que antes servia de ponto de paquera na rua (tipo rua Augusta em Sampa) e nos bares, hoje fica às moscas e no escuro o ano inteiro.  Há locais que ficam fechados e não são alugados, pois o proprietário ganha mais dinheiro em uma semana do que no ano todo.  Os mafiosos do carnaval fizeram seu lobby e aumentaram o espaço para o carnaval dos ricos.  Os pobres ficam de fora, mas podem ficar nos "animadíssimos" e intermináveis desfiles dos blocos afros.  É a logica do apartheid e da segregação.  E nem adianta vir dizer que é racismo ou discriminação com negros, que não tem nada a ver, pois é discriminação com quem não tem dinheiro.
O carnaval passa como a tal caravana e fica o vazio da espera.  Para mim, felizmente vi um carnaval de 2013 decadente e com os empresários sentindo o golpe.  Já há grandes trios que admitem sair para o pipoca, outros falam em abolir as cordas e por aí vai.  Trata-se da constatação de que a massa de gente tem diminuído e, com ela, os lucros.  Também deve ter gente que quer acabar com tudo para construir prédios.  Não, não é piração minha.  Passava um trio e demorava de vir outro, além disso havia uma rigorosa e multante fiscalização que obrigava os caminhões a andar no horário para não atrasar os outros.  Lindo isso. A folia diária acabava lá pelas 2 ou 3 da manhã.  Quem foi naninha...
O carnaval vai mudar em Salvador, senão vai parar de dar lucro aos de sempre, incluindo os governos.  Alguma coisa esses gênios do marketing farão para perpetuar ou reposicionar a marca.  O processo deve ser o de voltar a atrair massa de gente para a pipoca.  Forma-se a plateia ou o cliente e depois se cobra.  Acho que os empresários vão ter de amargar uma redução de lucro na praça Salvador, porque esse pessoal faz carnaval o ano inteiro no Brasil inteiro e no exterior.  Mas tá cansando o povo...  e daí é que vem a grana.

Sinceramente, espero que o carnaval de Salvador jamais se recupere e morra por um tempo para ressurgir do tamanho exato da folia, seja lá qual for esse tamanho, mas que nele não estejam os industriais que alimentam o câncer que acaba com a cidade.

E como já dizia a música "Cadê o trio" de 1982:

"Se a gente com o trio não pula
A culpa é de quem manipula
E não pula o carnaval".


Mano Jone

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O lucro que mata.

Anderson saiu de casa cedo e enfrentou duas horas de um ônibus péssimo para chegar até a morte.  Trabalhador de uma obra num bairro "nobre" de Salvador, o operário fez o que sempre faz um peão: trabalha duro e a qualquer custo.  Na placa do empreendimento, a propaganda diz que o "Itaigara vai ficar ainda mais charmoso."
Lá pelas onze horas da manhã, uma parede caiu em cima de Anderson e ele morreu.  O evitável aconteceu.  O prédio em que o operário trabalhava não segue nenhuma norma de segurança.  Segue apenas as normas da ganância de algum desprezível empresário, que para obter algum mísero lucro a mais, ignora a vida.  Gente que só consegue olhar o próprio umbigo inchado de lucro podre obtido às custas do trabalho semi-escravo.  Gente que tem certeza de que o sucesso de tudo está em ter mais dinheiro.  Não há como conversar com esse tipo de gente.  Não há diálogo com aquele que faz qualquer coisa por um lucrinho, pois ele corre atrás da satisfação da sua vaidade, das suas fraquezas, da sua ignorância.  O jornal diz que tentou falar com a "assessoria do empreendimento", mas não obteve resposta.  Provavelmente, estão consultando os advogados para que não haja punições aos proprietários.  

A imprensa chegou quase mais rápido do que o SAMU e depois de trinta minutos havia um helicóptero mostrando imagens "ao vivo" para a porcaria do telejornal local.  Onde estavam o CREA, a Prefeitura e os Sindicatos?  Todos pensando em como aumentar as taxas de seus "associados".  Ficam todos calados na certeza de que a morte de um "simples" peão vai ser esquecida ou apenas usada como estatística por alguma entidade de classe para pedir "melhores condições de trabalho".

Amanhã apenas a família lembrará de Anderson.  Amanhã o empresário vai procurar saber como liberar a obra o mais rápido possível.  Amanhã os advogados estarão com as palavras prontas para justificar o injustificável e salvar a pele do cliente.  Amanhã a imprensa se ocupará de outra morte, alimento de todo tipo de urubus.  Amanhã todos nós esqueceremos dessa morte, pois tudo isso passou a ser normal, fato da vida.  No máximo, nos indignamos dizendo "É um absurdo", mas também não fazemos nada.  A indignação só aparece quando atinge um dos nossos.  Os outros que se danem.  É assim que o capitalismo nos transforma em indivíduos sem sentimento e amor ao próximo.  Somos apenas um objeto a ser manipulado e alienado para comprar e dar lucro.  Oxalá chegue o dia em que o materialismo morra e nós nem lembremos dele no dia seguinte.

Mano Jone

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Pequenos Golpes II - Guia Turístico em São Cristóvão - SE

Isso se passou na bela cidade de São Cristóvão em Sergipe no final de 2012.  Atraído pelos apelos históricos fui conhecer a primeira capital do estado e a quarta cidade fundada no país.  Fica bem perto de Aracaju, cerca de 25 quilômetros, com acesso fácil, mas, para variar, com pouca sinalização.

Ao chegar no centro da cidade se vê a semelhança com Salvador ou Lisboa.  As igrejas portuguesas estão no paço principal.  A Igreja Matriz foi construída para os brancos.  A Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, só para negros.  Por fim, para o apartheid ser completo, foi construída a Igreja de Nossa Senhora dos Pardos.  A mensagem não podia ser mais objetiva: cada um no seu quadrado. Há, ainda, o terceiro maior museu de arte sacra do Brasil, com 500 peças doadas ou emprestadas.  São obras interessantes e que vale a pena ver.  As igrejas também são interessantes.  Na praça do Cruzeiro também está localizada o convento onde Irmã Dulce fez seus votos e adotou o nome de Dulce (em homenagem à irmã dela).  Enfim, para quem gosta, é possível ver belas igrejas numa cidade que mantem a cultura regional com festas, Reisados  Folguedos,  Bacamarteiros e outras manifestações que devem ser preservadas.

Onde está o problema?  Com a cidade, nenhum.  O golpe fica por conta de alguns desocupados que se ocupam de pegar o seu dinheiro em troca de um serviço desnecessário.  O turista chega e é cooptado por um desses "especialistas".  Naturalmente, por algum trocado, qualquer um quer contratar alguém para indicar e falar sobre as coisas da cidade, das igrejas e o que ocorrer.  Fiz isso para ganhar tempo e conhecimento e entrei pelo cano.  O tal "guia" foi muito simpático e me levou para a primeira igreja da tarde.   Antes ele fez uma relação de igrejas, mas aconselhou o roteiro.  Ao entrar na igreja havia uma guia da própria prefeitura, que dava todas as informações sobre aquela igreja e de graça.  Enquanto isso, o guia disse que ia pedir para Dona Miriam para abrir a casa para vermos seu famoso presépio.  Lembrei de Gabriela, Cravo e Canela e o presépio montado pelas duas irmãs solteironas e megeras.  De repente, aparece o guia.  Impressiona como ela sabe o tempo que vai durar a visitação na igreja.  Dali, seguimos para a casa da simpática Dona Miriam, que todos os anos faz um presépio diferente, digamos, temático.  Muita conversa "de interior" e o guia sentado na sala de estar da senhora de 92 anos (segundo o guia, mas eu achei que uns 72 tava bem dado).  Na saída, uma ingênua caixinha de papelão pedia uma ajuda para manter o presépio.  Diante de tanto calor humano, achei justo colocar R$20,00 (+/- US$10.00) naquela caixa.  O guia, preguiçoso, não queria mais sair do sofá.  Eu calmamente pensando que tudo está equacionado na cabeça do experiente guia.  E estava, mas para ele, não para mim!  Saímos dali e fui levado para o convento onde Irmã Dulce fez os votos.  Na entrada, uma pequena cantina, que o guia recomendou fortemente que eu consumisse algo lá.  O guia me largou na frente da igreja e pediu para um outro não-sei-quem me explicar "as coisas".  Esse último ficou comigo uns bons 3 minutos e "me deixou à vontade".  Traduzindo: o sujeito me largou no meio de uma igreja sem me explicar nada e foi atender aos fregueses que queriam sorvete no balcão.  Olhei um pouco para cima, um pouco para o lado, andei um pouco e acabei tomando um sorvete.  Quando coloquei o pé na rua o guia surge do nada.  Na prática o descarado estava sentado no pé de uma árvore esperando o otário sair da igreja.  Ainda deu para notar uma argola presa ao lado da porta da igreja, onde se amarravam escravos rebeldes.  Ah! santa igreja...  O guia logo me levou para o próximo ponto turístico imperdível, que fica a uns cinquenta metros da igreja que saí.  Aliás, tudo fica em volta da mesma praça.  O atento guia me levou até a porta da Igreja de São Francisco, onde fui recepcionado por outra guia da prefeitura, que me explicou tudo em detalhes e de graça.  Ao colocar o pé fora da igreja, quem estava lá me esperando?  O guia.  Ele me levou até o museu de arte sacra.  Talvez eu não conseguisse sair de uma porta andar 15 metros e entrar em outra porta.  No museu, uma pequena taxa, ganhei um livro e fui acompanhado por uma guia.  Bem, no meio apareceu um grupo, ela me largou falando sozinho e um sujeito preguiçoso veio com o mesmo papo furado de "me deixar à vontade".  Eu disse a ele que não queria ficar à vontade sozinho, mas ele tinha de vir comigo me explicar aquela enormidade de peças e detalhes.  A contragosto o preguiçoso veio.  Bem, saí do museu e apareceu o guia.  Pedi para ir até a igreja matriz.  O vagabundo me disse que a igreja fechava às quatro horas.  Já eram quatro horas.  Entrei no carro e voei para ver se achava alguma igreja aberta.  Todas fechadas.  O descarado do guia estava no meu carro quando eu descasquei minha raiva em cima dele.  Larguei ela na praça e ainda dei R$15,00, porque nunca se sabe se uma pedra ou sei lá o que pode vir atrás de um descontentamento de um guia vagabundo.

Conclusão: fui enganado por um preguiçoso, descarado e vagabundo que tem participação na caixinha do presépio cafona de Dona Miriam e no barzinho-inho-inho da igreja.  Ele me atrapalhou e acabei sem ver a igreja matriz e a dos "pardos".  Você que vai para aquela bela cidade, faça um favor a si mesmo: faça tudo sozinho.  Recuse veementemente qualquer ajuda, pois é absolutamente desnecessária.

Mano Jone

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Pequenos Golpes I – Posto de Gasolina

O motorista necessitado leva seu carro para encher o tanque. Enquanto o incauto motorista aguarda, o simpático frentista pede para “ver a frente” ou, num gesto de generosidade e profissionalismo ele quase lhe ordena: “abra a frente para eu colocar a água do vidro”. Quem recusaria tamanha gentileza e preocupação gratuita? O satisfeito motorista relaxa, enquanto o frentista coloca a tal água e, ainda mais preocupado, vai verificar o nível do óleo. Ele deixa o capô do seu carro aberto e vem lhe informar, quase como um lamento, que “o óleo tá baixo”. O motorista, agora preocupado, consente que seja colocado óleo para salvar seu carro. Afinal, se não fizer isso pode ter um prejuízo ainda maior. O motorista contente paga o combustível e o óleo e sai aliviado.

Na verdade o frentista quebrou sua resistência ao ser gentil e conseguiu que o motorista abrisse feliz o capô do veículo. O que o frentista queria não era lhe ajudar em nada, mas aplicar o famoso golpe do óleo. Sempre que se mede o nível do óleo com o motor quente, ele estará abaixo do nível, pois o óleo está espalhado pelo motor fazendo seu papel de lubrificante. Óleo se mede com o motor frio e num terreno plano. Enfim, o golpe é simples e dado centenas de vezes por dia em todo o país. Como o nível estará baixo, o frentista, que ganha comissão por vender o óleo, vai lhe sugerir uns 2 litros. O excesso será queimado pelo motor e pode até sai uma fumacinha branca pelo escapamento. O óleo deve ser trocado periodicamente e não apenas ser “completando”.

O frentista lhe engana, lhe aplica um golpe de “esperteza”. Assim como tantos outros que se apresentam gentis e solícitos para enganar e pegar o seu dinheiro.
Mano Jone

domingo, 9 de dezembro de 2012

Os salários das mulheres e eu.

Sempre ouço que as mulheres têm um salário inferior ao dos homens.  Acho isso lamentável, afinal não vai ser o gênero que vai definir a capacidade de desenvolver um trabalho.  De outro lado, considerando que as mulheres ganham menos mesmo, comecei a lembrar que sempre estive rodeado de mulheres em meu empregos.  Agora compreendo porque sempre ganhei tão mal...

Mano Jone

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Onde está o nosso tempo? Tempos modernos e de modernidade líquida.

Hoje vivemos num tempo diferente.  Um tempo sem tempo.  Somos localizados pelo celular, pelas tais redes sociais, e-mails e outras tantas "modernidades".  De fato, alguns desses apetrechos são bem úteis, como o telefone celular, por exemplo, se você estiver numa situação de perigo ou precisando de ajuda.  Antes do celular, quando o carro quebrava numa madruga, o motorista tinha de sair andando atrás de algum posto de gasolina ou orelhão.  E se estivesse chovendo...   Enfim, nem tudo que muda é ruim, mas as mudanças talvez estejam rápidas demais, nos fazendo sentir cada vez mais sem tempo, ou cada vez mais com menos.  Isso aumenta o vazio e o desejo de preenchê-lo.  Zygmunt Bauman introduziu o conceito de "liquidez" nas relações sociais e disse que "vivemos tempos líquidos, nada é para durar".  Ele também fala do "amor líquido", onde quem hoje é ideal, amanhã pode ter sido deletado da lista de "amigos" das redes sociais.  Apaga-se a pessoa e as relações correspondentes.  Os tempos sõ de transformações rápidas, o que nos faz sentir lentos e nos faz correr contra uma sensação de que se está perdendo tempo, negócios, amigos, vida.

O sorriso podre do capitalismo fica estampado em sua carcaça repugnante.  Ri da nossa corrida para comprar a modernidade, que amanhã será velha.  Aparelhos e serviços que serão obsoletos cada vez mais rápidos.  O conceito de marketing de criar a obsolescência programada é algo que se usa há muito tempo para que os nossos carros, televisores, computadores, celulares e tudo o mais  sejam vistos como velhos.  Inclusive as pessoas.  Não se fica idoso, mas velho.  E o velho é inútil e para ser jogado fora.  A pessoa que se aposenta se torna velho e obsoleto para o dragão capitalista (ou seria a Grande Prostituta do livro do Apocalipse), pois não produz mais.  Troca-se por alguém que produza e gere lucro.  Só que isso vem acontecendo cada vez mais rápido e com todas as coisas.  A obsolescência nem mais é tão programada assim, pois vem muito mais rápido do que se possa programá-la.  A modernidade está ficando obsoleta ou é a própria obsolescência?

Transformações rápidas, modernidade liquefeita traz o tempo-do-mínimo-tempo fazendo com que essa pressa toda quebre quaisquer regras básicas de convivência mais adequada, fina e educada.  Essa pressa faz com que pessoas ansiosas demais e com medo demais de seus vazios, atendam e falem, através de seus modernos telefones celulares no meio de uma peça de teatro ou de um almoço em família.  Não se pode perder nenhuma oportunidade de preencher o vácuo criado pelas extensas e fantasiosas redes sociais.  Naquela uma hora e meia de uma peça de teatro ou de um filme no cinema, pode ser que a pessoa receba aquela ligação que ela nem esperava, mas que seu telefone toque e que se fale ou mande uma mensagem imediatamente após receber.  A demora nesse tipo de comunicação gera ansiedade e sensação de rejeição, caso a resposta demore muito.  Imagine se a resposta não vier ou se o telefone não tocar numa ligação que não se esperava, seja lá de quem for.  A partir daí o indivíduo atende ao celular no teatro ou outros olham incomodados com ele ou porque os próprios celulares não tocaram?  Os outros reclamam por atrapalhar a peça ou porque o outro recebeu uma ligação e eles não?  Não se pode generalizar, apesar desse ser o desejo capitalista, assim os custos caem na produção com economia de escala.

Essa pressa toda, se for bem refletida só serve, penso eu, para que possamos valorizar mais o nosso tempo presente, usufruindo dos dias como esses fossem únicos, ou poucos, ou líquidos...  Inversamente, esse tempo curto, essa pressa desmedida nos arranca do presente e nos joga no futuro, onde estão as coisas que saciarão nossos desejos e vazios.  Daí só nos resta a ansiedade, as relações frouxas e somente de troca.  A amizade passa a ser uma mercadoria e pode ser trocada, vendida, jogada fora se ficar velha ou, então, o amigo não tenha mais nada para nos dar.  Haja antidepressivos para enganar as mentes e enriquecer laboratórios!  Haja paciência e fé!  E que haja um vazio qualquer para poder entrar e deixar o tempo de cada um fluir de acordo com seu relógio mental, espiritual ou material.

Lembrei desta música do Barão Vermelho:


Pense e dance
Barão Vermelho

Penso como vai minha vida
Alimento todos os desejos
Exorcizo as minhas fantasias
Todo mundo tem um pouco de medo da vida

Pra que perder tempo desperdiçando emoções
Grilar com pequenas provocações?
Ataco se isso for preciso
Sou eu quem escolho e faço os meus inimigos

Saudações a quem tem coragem
Aos que tão aqui pra qualquer viagem
Não fique esperando a vida passar tão rápido
A felicidade é um estado imaginário

Não penso em tudo que já fiz
E não esqueço de quem um dia amei
Desprezo os dias cinzentos
Eu aproveito pra sonhar enquanto é tempo

Eu rasgo o couro com os dentes
Beijo uma flor sem machucar
As minhas verdades eu invento sem medo
Eu faço de tudo pelos meus desejos

Saudações a quem tem coragem
Aos que tão aqui pra qualquer viagem
Não fique esperando a vida passar tão rápido
A felicidade é um estado imaginário

Pense e dance
Pense
Pense e dance


Então, pense e não dance!

Mano Jone

quinta-feira, 26 de julho de 2012

A certeza do vazio que o amor pode preencher

A desilusão após a luta inglória.  A tomada de consciência da luta inútil e alienada.  A luta cega contra moinhos de ventos.  A brusca queda para a realidade.  A certeza do vazio a ser preenchido pelo amor.

Universo no teu corpo
Taiguara

Eu desisto
Não existe essa manhã que eu perseguia
Um lugar que me dê trégua ou me sorria
E uma gente que não viva só pra si

Só encontro
Gente amarga mergulhada no passado
Procurando repartir seu mundo errado
Nessa vida sem amor que eu aprendi

Por uns velhos vãos motivos
Somos cegos e cativos
No deserto do universo sem amor

E é por isso que eu preciso
De você como eu preciso
Não me deixe um só minuto sem amor

Vem comigo
Meu pedaço de universo é no teu corpo
Eu te abraço corpo imerso no teu corpo
E em teus braços se unem em versos à canção

Em que eu digo
Que estou morto pra esse triste mundo antigo
Que meu porto, meu destino, meu abrigo
São teu corpo amante amigo em minhas mãos
São teu corpo amante amigo em minhas mãos
São teu corpo amante amigo em minhas mãos

http://www.youtube.com/watch?v=qZmOQSLoG9U

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Trombone Shorty no Teatro Castro Alves

Trombone Shorty & Orleans Avenue
Teatro Castro Alves - Salvador - Bahia - 11 de Junho de 2012

A expectativa em assistí-lo era grande, pois afinal trata-se de um músico que tem Trombone no nome.  Numa tradução livre, podemos chamá-lo de Tromboninho.  O diminutivo está apenas no nome, pois ele sabe bem como tocar o instrumento que lhe dá nome, assim como o trompete.  Possui grande técnica e executa com precisão linhas melódicas com alto grau de dificuldade.  As músicas apresentadas no show foram um pouco iguais demais, o que tornou a apresentação uma sequência da mesma coisa.  Curta sequência, diga-se, pois o show todo teve 1 hora.  Muito funk e rock misturados de forma a agradar àqueles que deliram mais com a bateria do que com o sax tenor.  Os dois saxofonistas são muito competentes, assim como o baterista.  Tromboninho merece um guitarrista melhor (já teve Jeff Beck em seu CD) e um contrabaixista que saia da embolação e ofereça sustentação além do mediano.  A falta de um teclado deixa o som muito duro esburacando a Orleans Avenue ou deixando o Trombone Hardy.   Ele tocou e cantou, mas faltou mesclar músicas mais calmas para fazer o contraponto. Só dou o benefício da dúvida porque o som não estava bem equalizado e as frequências médias acabaram por estressar os ouvidos.
 
No final do show, ele soube como agradar aos fãs (?) e fez a volta às origens the New Orleans, tocando no "acústico" músicas tradicionais e descendo do palco.  Senti ali um pouco da admiração exagerada pelos que vêm de fora...

Enfim, acho que ele fez um show mediano para cumprir agenda e trouxe um repertório barulhento para agradar àqueles que saem dançando mesmo se o garçom derrubar a bandeja.  Tromboninho tem técnica para muito mais do que ele mostrou, mesmo se tocasse as mesmas músicas.


Mano Jone

Diante da morte...

Presenciar a morte de alguém nos torna humildes.  Constatar que somos limitados e finitos nos dá a certeza de nossa impotência, que não somos tão poderosos quanto pensamos.  Essa certeza, no entanto, é passageira.  Após alguns dias, esquecemos de tudo e voltamos a nos iludir.  Talvez esse impacto seja um momento único de solidão, o qual logo nos encarregamos de fugir.  Temos medo da solidão teórica, mas a morte nos dá a oportunidade de encarar a solidão real.  Sentimos e choramos pela saudade de quem vai, mas também pelo fato de que iremos um dia.

Assim como na virada do ano, diante da morte muitas pessoas fazem promessas de que irão aproveitar melhor a vida, serão mais caridosas e outras tantas promessas descartáveis. Descartáveis como nós.

Neste texto, escrevi na terceira pessoa, pois assim me sinto menos só. 

Mano Jone

domingo, 13 de maio de 2012

O velho, o idoso, a falta e a alienação

Quando uma sociedade precisa de leis e estatutos para garantir direitos aos idosos é porque os valores de respeito aos mais velhos não existem mais.  Não existe mais o respeito, nem aos novos.  A sociedade afunda e chafurda no "pão e circo" regados com a lógica de mercado, onde o que é velho não presta e o que é novo também não presta por muito tempo.  É preciso trocar logo o "x" para algo mais novo.  Sim, o "x" é uma variável onde você pode encaixar o que quiser, de um celular a uma amizade.  São os tempos do vale-tudo, onde o outro não importa, mas apenas a satisfação imediata de algum desejo.  Não há futuro, portanto quem tem menos idade, não se preocupa com o tempo em que ficará velho.   Tudo deve ser consumido agora e o depois não existe, mesmo com exemplos dentro de casa.  Aliás, muitas vezes esses exemplo, que são nossos pais e parentes idosos, só reforçam o "fracasso" que eles são.  Nós, nunca.


E assim, com a perversa e cruel lógica de mercado, tudo pode quando for com os outros.  Respeito aparece quando a atitude ou a falta dela pode trazer prejuízo ou lucro.  Sim, o discurso da sociedade atual não chega nem a ser hipócrita, pois a grande maioria não vê a diferença e a hipocrisia precisa de uma grande parte de realidade consciente.  A sociedade fala a língua dos alienados, que não se percebem assim e nem percebem a sutileza e a fluidez da alienação.  Ela está aí e aqui, como o ar que respiramos e não vemos, mas que nos é fundamental.  A corrida contra o tempo nos faz mais ansiosos e preocupados em fazer coisas, muitas vezes, inúteis.  Mas não se perca, qualquer coisa que fazemos está colaborando com a sanha capitalista, que lhe orienta a comprar e comprar e comprar sem se preocupar com o dia de amanhã.  É tudo hoje!  E tudo agora!  É tudo efêmero!  Se não der agora não dá nunca mais...   É preciso ir agora ou a promoção acaba.  É preciso ir assistir tal coisa agora, porque amanhã não tem mais.


E assim caminha a humanidade...  na busca do que lhe falta, na busca de algo que lhe dê um significado.  Enquanto isso, o trator consumista vem com seu megafone anunciando algo imperdível e desviando a atenção.

Ficamos idosos, velhos nunca.

Mano Jone

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Arrocha Universitário

Li na janela traseira de um ônibus sobre um show de música.  A tal música era o "Arrocha Universitário".  É mais um "estilo" que foi acrescentado ao irmão "Sertanejo Universitário".  É lamentável como o nível de nossos universitários vem caindo ano após ano.  Aliás, isso já estava escrachado quando Silvio Santos mandava perguntar aos universitários e eles respondiam errado ou não sabiam respostas simples.


Esse é o nosso ensino, que segue a lógica de mercado, ou seja, do lucro para quem investe.  Nesse caso não são os alunos, nem os pais, nem o país.  E agora já conseguimos rebaixar os universitários, que antes iam às ruas protestar contra governos, a meros apreciadores do "Arrocha".  Com certeza virão coisas ainda mais baixas.

Mano Jone

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Cansei de ser uma Tela

É muito interessante quando buscamos redefinir nosso papel como indivíduos.  Redefinir nossa identidade.  As pessoas estranham. Estranham o fato de que não somos mais aquele conjunto de projeções feitas. Estranham o fato de termos coragem de mudar e mexer nas coisas ditas intocáveis.  As pessoas querem e cobram que a ovelha desgarrada volte ao seu papel naquele grupo.  Afinal, quando tentamos nos modificar seja para melhor ou não, estamos alterando todo o conjunto de pessoas à nossa volta.  Alguns reagem com mais veemência, exatamente porque projetam em nós uma série grande de expectativas e emoções que, de repente, tiramos pelo simples fato de que queremos ir em frente e evoluir.  O grupo, a família, não permite que sejam feitas grandes alterações, pois o papel que desempenhamos desde nascer ficará vago e ninguém, a principio, poderá ocupá-lo.  Gera insegurança.  Por isso, talvez, seja difícil encontrar apoio de alguns mais próximos nesses processos mais profundos de mudança.  O que se aceita são mudanças superficiais como um emprego novo, um carro ou a prática de yoga ou caminhada.  Todas essas mudanças são bem aceitas desde que não interfiram muito na dinâmica do grupo.  E mesmo assim interfere.  Sempre haverá um ou outro que vai dizer que seu carro novo é isso ou aquilo ou que estamos praticando yoga para fugir da realidade e por aí vai.  É impressionante a necessidade do ser humano atual em ter de rotular o outro.  Para quase todos nós essa prática é fundamental, pois precisamos nos rotular a cada movimento do outro para ter certeza de quem somos.  Quando o outro resolve mudar, resolve também mudar os papéis do grupo todo.  E como é que possível que façamos isso sem pedir a anuência dos outros?  Que ousadia é essa de subverter papéis sem aviso prévio?  Se você resolver fazer isso, ou seja, procurar se autoconhecer e melhorar, prepara-se para ser questionado, agredido e ver muitas caras feias.  Você, então, se dará conta da sua parcela de “tela”.  Muitas são as projeções feitas sobre nós às quais nem imaginávamos.  Eu cansei de ser a tela passiva que só leva tinta pintada pelos outros.  Tenho certeza de que se ou “outros” forem perguntados responderão de que não sou essa tela passiva que se me apresento, mas ao contrário, um pintor que usa tintas fortes nos outros, pintando e sujando as telas alheias ao bel prazer.  Pois é assim mesmo.  Nesse processo de redefinição ou requalificação ou, melhor ainda, de resignificação de si próprio seremos capazes de saber como os outros nos veem.  No meu caso, percebi que me veem de forma diferente do que sou.  Mas será isso possível?  Será que eles não estão certos e estão me vendo como sou de fato.  Parcialmente correto.  Quando passamos a nos movimentar em busca de uma identidade diferente daquela que é a esperada, passamos a puxar o pior das pessoas em nossa direção.  É um movimento de covardia e rebeldia dos outros. Eles não querem que mudemos, pois terão de mudar também e para lugares os quais nem estão preparados e nem queriam de fato. Afinal, quem sou eu para mudar algo em mim sem que todos tenham me autorizado antes?  Como isso incomoda...

Talvez seja essa a dinâmica atual de nossa evolução espiritual.  Pessoas interligadas umas às outras de forma ignorante, sem ter conhecimento desses laços, nem dos porquês.  Apenas sentimos que o movimento do outro nos incomoda.  Qualquer seja esse movimento.  Estamos todos interligados, mas ainda distantes de ficarmos felizes pelo movimento alheio.  O Universo continua em expansão, em constante movimento.  Nós também precisamos desse movimento para trazer e produzir as mudanças necessárias para evoluir.  Como não sabemos exatamente a direção a seguir, vamos, em grande medida, utilizando o método da tentativa e erro.  Como diz a música do Guilherme: “nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar”.

Cansei de ser tela e ver em mim projetadas todas as frustrações que meus movimentos produzem nos outros.  Cansei de ser alvo das tintas de cores muito fortes jogadas em mim, na tela.  Desenvolvi uma carapaça, uma proteção contra esses ataques repressores de minha evolução e acabei deixando a agressividade ficar à tona mais tempo do que necessário.  Convenientemente sou criticado por estar assim. Basta eu mudar para o meu papel de “carneiro-mór”, de doador universal, e todos os gritos se emudecerão, todas as dores se acalmarão.  Deixem-me em paz.  Deixem-me tentar.  Deixem-me mudar.  Porque deixando ou não eu vou fazer isso.  Essa é a minha natureza e a de todos nós, percebendo vocês ou não.

Mano Jone

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Um Golpe do Destino (The Doctor): Uma visão Psicológica


Um Golpe do Destino (The Doctor) é a história do médico Dr. Jack McKee, cirurgião competente, mas que vê as pessoas como máquinas e seu trabalho como de um reparador delas.  O próprio McKee ensina aos médicos residentes que o necessário a ser feito em relação a uma cirurgia é “abrir, consertar e fechar”.  Na primeira cena do filme se vê um procedimento cirúrgico na sala de cirurgias com música e muita conversa.  A despeito da competência de toda equipe, o paciente não é encarado como um ser humano, apenas como u’a máquina danificada.  O médico fica muito distante do paciente, de seu problema, de sua história de vida.  O foco é a cirurgia e o “conserto” do defeito.  Em certa medida, creio que há eficácia no método, visto que o paciente foi submetido a uma cirurgia realizada por um cirurgião competente que, de fato, fez o certo.  O problema está na distância entre o médico e o ser humano do outro lado.  Tema similar vem sendo tratado na série de TV “House”, onde o que importa para o médico protagonista é a solução de um problema enigmático, nada importando quem é ou o que sente o paciente.  Somos complacentes nesses casos, pois o final é feliz com a solução do problema, mas se pode aferir que todo o processo seja menos penoso e com maior adesão ao tratamento nos casos em que há a aproximação entre equipe médica e paciente de forma mais humana e menos técnica.

Golpe do Destino mostra de forma clara as consequências de uma sociedade capitalista e individualista.  Cada qual preocupado consigo próprio.  O “outro” é algo existente para ser usado como uma ferramenta.  Uma sociedade onde os méritos estão relacionados com a produção e com ser produtivo.  A dinâmica de produzir resultados leva ao distanciamento entre a sensibilidade, a compaixão, o amor e o fato diário: reduzir custos, aumentar lucros e ter sucesso.  Isso tudo de forma individualista.  O médico do filme tem uma família que comemora quando ele está presente numa noite na semana.  A distância entre pai e filho traz uma criança que não ouve o pai numa conversa corriqueira, porque também tem tempos e tarefas a cumprir.  A relação com a esposa é, a primeira vista, de muita ligação, mas a ela importa como ela vai estar diante dos problemas.  E exatamente esse distanciamento é a marca do Dr. McKee, que relaxa com brincadeiras tanto na sala de cirurgia, quanto fora.  O momento em que ele se vê diante de um câncer ainda não é suficiente para que haja o entendimento de que há, pelo menos, dois lados: paciente e médico.  A princípio o médico doente é tratado por uma sua colega, tão mais fria e distante quanto ele.  Uma médica mecanicista, rude e grosseira, que ignora qualquer tipo de contato mais afetuoso, tratando sempre da doença e nunca do paciente.

Dr. McKee passa a ser paciente, mas quer manter os privilégios de ser um cirurgião conceituado no mesmo hospital.  A sociedade na América do Norte, em relação à nossa, é mais distante em seus relacionamentos, traço cultural de sua origem, o que faz as pessoas sentirem falta de mais afeto apenas quando suas vidas estão em risco.  Esse contraste fica claro quando Dr. McKee conduz o tratamento de um paciente (de origem latina) que necessita de transplante de coração.  Ele agradece e confia no médico e lhe dá um abraço, algo muito estranho para os americanos do norte.  Voltando, o médico doente, agora paciente, se vê às voltas com toda a burocracia do hospital e com a frieza de alguns atendentes.  Passa por erros de procedimentos quando é submetido a uma desnecessária lavagem intestinal.  Sua médica pede desculpas.  Ele mesmo conclui que a expressão “sinto muito” deveria ser abolida, pois tudo se explicava assim sem maiores consequências.  O médico passa a perceber o sofrimento de cada um e o seu próprio.  A angústia da morte iminente em sua nova amiga, que tendo um tumor na cabeça luta contra o tempo.  Ele vê pacientes que morrem e outros que na fila da quimioterapia recebem a notícia e se colocam na mesma posição.  Sua percepção do que seja um contato humano muda completamente e ele passa a entender a importância de uma relação paciente-médico muito mais próxima, encarando o paciente como um ser humano e não como u’a máquina com defeito.  Uma revelação contundente se dá quando sua nova amiga lhe fala que os médicos levaram três meses para diagnosticar seu tumor cerebral.  Dr. McKee, em outro momento, explica que se tivesse feito uma tomografia computadorizada seria possível diagnosticar seu problema, mas são as seguradoras, os planos de saúde, que definem quais exames podem ser feitos, pois o tal exame custaria mil dólares.  E assim temos um quadro onde de um lado há o poder

Os relacionamentos interpessoais do médico protagonista são utilitaristas.  Sua esposa fica magoada ao saber que ele partiu em viagem com sua amiga.  No dia seguinte, ela o encontra e diz: “você está acabando comigo”.  A sociedade individualista se mostra ali de forma crua e cruel.  O filho não tem a referência paterna como alguém próximo e quase não sorri, sempre com a expressão triste.  Seu grande amigo médico pede que ele testemunhe em um caso judicial, mas esconde que havia adulterado fichas e laudos médicos para encobrir um erro.  Todas essas relações passam a ser questionadas e começam a ser vistas com outra lente pelo Dr. McKee.  Sua experiência direta com a realidade dos pacientes o faz perder a arrogância e enxergar o dia-a-dia de quem sofre e precisa de tratamento médico.  Ele encontra na nova amiga June a compreensão de quem também tem uma doença grave.

Dr. McKee passa a ver pessoas onde havia números e doenças.  Ele passa a exigir de seus residentes que saibam o nome de quem está sendo avaliado.  Ele não admite mais que um paciente seja classificado como “terminal”, admitindo somente que o paciente esteja vivo ou morto.  E enquanto vivo merecedor de todos os cuidados destinados ao ser humano.

CONCLUSÃO
Numa sociedade capitalista a equipe médica, o paciente e o hospital não são as únicas variáveis envolvidas.  Há o braço frio das seguradoras, dos planos de saúde, que remuneram mal as consultas médicas e restringe exames caros.  Tudo em nome do lucro.  Não importa quem é o paciente, pois esse é apenas um número que deve ser trabalhado pelas estatísticas no intuito de se reduzir custos.  O médico, de forma generalizada, participa dessa roda-vida e vai, pouco a pouco, se desumanizando, se distanciando do ser humano que é e do que está sendo tratado.  O filme nos mostra todos esses lados.  As tintas são ainda mais fortes, pois a história se passa nos EUA, onde o capitalismo tem seu domínio absoluto e, ainda, numa sociedade extremamente individualista onde o outro só interessa como um meio para se atingir algum objetivo.  Os exemplos no filme vão desde o próprio Dr. McKee, passando por sua esposa, seu amigo médico e pela médica que o avaliou.  Exatamente o médico mais criticado pelo grupo do Dr, McKee, chamado por eles de Rabino, é o que apresenta o contato mais humano com os pacientes.  A ele o Dr. McKee confia sua cirurgia sendo amplamente acolhido pela equipe.  Dr. McKee se recupera e começa a reconstruir os significados à sua volta, numa nova relação com os pacientes, com a esposa e com o filho, a partir de uma nova relação sua com o mundo.  O Psicólogo pode ter um papel importante ao fazer essa mediação entre os diversos agentes envolvidos, buscando maior entendimento entre as partes, resultando, ainda, na maior adesão ao tratamento.

BIBLIOGRAFIA
UM GOLPE DO DESTINO. Filme. Título original: The Doctor. Direção : Randa Haines. Duração: 122 m. Gênero: drama. EUA. 1991.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Poema em Linha Reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Ato falho

O ato falho é quando alguma coisa "escapa" do inconsciente para o consciente sem que se perceba.  Pode gerar uma bela saia justa.  Creio que o maior ato falho possível é quando alguém vai dizer "ato falho", mas diz "ato falo".  Se for tentar explicar piora.


Mano Jone

sábado, 8 de janeiro de 2011

O momento certo

Muitas vezes não é fácil ter de aguardar o momento certo para tomar uma atitude.  Na jornada da vida as pessoas são expostas a situações às quais, por vários motivos, não podem reagir.  Esse imobilismo é, quase sempre, mal interpretado por aqueles que tudo sabem, tudo julgam, tudo condenam.

Manter o foco numa imagem que faz mal à nossa alma não é tarefa fácil.  Sofrer calado aguardando pelo momento em que as coisas farão sentido e serão entendidas, também não é nada fácil.  "Quando o carnaval chegar" de Chico Buarque é um resumo disso tudo.  Apesar das adversidades é preciso ter paciência e fé sempre, principalmente quando se espera pela justiça.


Mano Jone


Quando o carnaval chegar
Chico Buarque
1972

Quem me vê sempre parado, distante
Garante que eu não sei sambar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar

Eu tô só vendo, sabendo, sentindo, escutando
E não posso falar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar

Eu vejo as pernas de louça da moça que passa e não posso pegar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar

Há quanto tempo desejo seu beijo
Molhado de maracujá
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar

E quem me ofende, humilhando, pisando, pensando
Que eu vou aturar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar

E quem me vê apanhando da vida duvida que eu vá revidar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar

Eu vejo a barra do dia surgindo, pedindo pra gente cantar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar

Eu tenho tanta alegria, adiada, abafada, quem dera gritar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar

http://www.chicobuarque.com.br/construcao/mestre.asp?pg=quandooc.htm

sábado, 1 de janeiro de 2011

2011

A cada ano novo surge sempre a esperança de que ele seja melhor.  Pedimos, oramos, suplicamos e, por um momento, ficamos em contato direto com o divino.  É um sentimento de plenitude que nos enche o espírito de alegria.  Por que não coseguimos eternizar esse momento?  Só depende de cada de um de nós.

Mano Jone

sábado, 25 de dezembro de 2010

Felicidade

O Natal me traz muitas recordações.  Lembro de meus pais, meu irmão, da montagem da árvore cheia de enfeites com formatos diferentes, luzinhas coloridas e toda magia envolvida.  Presentes e a família reunida na véspera e no almoço do dia do Natal.  Conversas, música, risos, alegria e um clima inexplicavelmente ótimo.  Era muito bom mesmo.

O mais importante de tudo é que havia o sentimento gostoso de estarmos juntos compartilhando momentos únicos, aquela emoção tão esperada o ano inteiro.  Quanta saudade...  Eu era tão feliz.

Mano Jone

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O capitalismo, o sono, a ignorância e a falta de educação.

É impressionante como algumas pessoas se incomodam ao saber que o outro está dormindo. Esse outro pode ser qualquer um.  Os incomodados têm perfis variados, mas todos são vítimas e disseminadores da ideologia capitalista.  Esses verdadeiros guardiães da vigília eterna são os mesmos que sempre ouviram que “o trabalho dignifica o homem”, “Deus ajuda quem cedo madruga” ou outras baboseiras para que as pessoas trabalhem mais e gerem mais lucro.  O tempo de descanso para o capitalismo seria de, no máximo, oito horas e no local de trabalho, pois sabe como é, pode ser necessária alguma coisa de madrugada e o guerreiro já está lá.  Na maioria são pessoas que acordam cedo e só. Administram mal seu tempo durante o dia, chegam a se arrastar no trabalho ou qualquer outra atividade, mas estão acordadas.  Há lugares onde o sujeito é mau caráter, bate na mulher, é grosseiro, mulherengo, mas uma voz diz “Ele é tudo isso, mas é trabalhador”.  Palavra mágica que cala a todos e transforma o “coisa-ruim” num cidadão respeitável.  Pense na situação: você está em casa e alguém aparece ou telefona e desfere sem cerimônia ou educação a pergunta: “você estava dormindo?”  A resposta é quase sempre um não.  As pessoas dormem escondidas como se fosse um vício repugnante.  Como fumar escondido no banheiro.  As pessoas mentem que estão acordadas, dizem que já fizeram um monte de coisas e ainda são oito da manhã.  A pessoa diz tudo isso porque não quer ser taxado de dorminhoco e, na sequência, de vagabundo, relapso, irresponsável.  Dormir pode sim, mas das dez da noite até as cinco ou seis da manhã.  Os vigilantes do sono dão um desconto de uma ou duas horas se for um domingo ou feriado, afinal a pessoa trabalhou muito.  E é isso aí: vive-se para trabalhar quando o certo deveria ser trabalhar para viver.  Gente chata e ignorante, pois não percebe que foram bitoladas e alienadas na ideologia capitalista mais básica.  Longe de mim fazer apologia à vadiagem, até porque não tem nada a ver uma coisa com outra, mas há relógios biológicos diferentes e o mais importante de tudo: ninguém tem nada a ver com o que o outro faz de sua vida.  Um vigilante do sono normalmente tem necessidade de rotular alguém como dorminhoco ou coisa parecida, pois precisa mostrar ao mundo que ele sim está sempre alerta (tal um escoteiro).  Precisam gritar para o mundo que andam o dia inteiro fazendo coisas.  Observe um ser desses.  Podem até fazer muitas coisas, mas nem sempre certas e nem sempre da melhor forma.  Eles têm pavor do julgamento do outro.  Já vi caso em que antes até de o sujeito falar bom dia, já solta a crítica: “você estava dormindo até esta hora?”.  É invasivo.  É falta de educação.  É ignorância.  É insegurança.  É a necessidade de rotular a si próprio, através da rotulagem do outro.  É uma chatice.

O mundo avançaria muito se cada um cuidasse da própria vida.  Infelizmente, muitas pessoas não conseguem ver seus defeitos e, portanto, não precisam se melhorar.  Para isso basta apontar algo que considera errado no outro, afinal o bom só existe quando comparado ao ruim; o honesto ao desonesto e assim por diante até chegar ao que exerce seu livre direito de dormir e o ignorante que precisa ser reconhecido como alguém que “faz”.


Xô gente chata e inconveniente!  E como diria a Colombina: “Pierrô cacete, vai tomar sorvete com o Arlequim”.   Entendeu, né?


 
Mano Jone