sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Carnaval de Salvador: o declínio

Fevereiro de 2013.  Circuito Barra.  Camarote de altíssimo nível onde durante cinco dias foi servido uísque 12 anos.  Visão privilegiada da rua. Caminhões de trios-elétricos trazendo as mesmas figuras de sempre: os empresários da indústria do carnaval.  Baixa qualidade musical, salvo honrosas exceções.  Músicos excelentes e o som dos caminhões também.  Mas e o povo?  E o pipoca?  E a fila de trios para entrar na avenida?  Graças a Deus estão sumindo.  A visão que tive foi bem agradável: o carnaval ruindo.  Claro que sou voz destoante, pois, na nossa cultura, o carnaval representa muito mais do que uma festa, mas o momento em que (quase) tudo pode ser feito em nome da folia.  As regras são quebradas e as pessoas podem viver algo diferentes nas tais folias momescas.  Até aí, fica um sensação agradável de tudo-poder, sem recriminação, crítica o censura.  Obviamente, a marginália extrapola sempre e ocorrem roubos e furtos, brigas e outras porcarias relacionadas com o baixo nível dos desviantes.  E que ninguém venha defender os bandidos, porque, nós, os de e do bem, somos bem diferentes. Até porque a sociedade precisa manter a marginália como parâmetro de suas virtudes.  Mas essa conversa fica para outra hora.  Voltando à folia, as pessoas bebem, flertam, transam e vamos em frente.  O carnaval me parece o grande rito do acasalamento de uma parcela da sociedade. Mas ficamos aqui sem falsos moralismos e tudo é festa.  Ocorre que o ano não se reduz a cinco, sete ou dez dias.  O circuito da Barra é invadido de caba a rabo por camarotes.  Os trios e seus cordões e cordeiros, apartam os que não pagam caro para pular numa boa com gente bonita.  Os pobres e "feios" ficam no primeiro circuito, incluindo o Campo Grande, a Avenida Sete, Avenida Carlos Gomes e a Praça Castro Alves, antigo templo final do carnaval e o famoso encontro de trios (que no final dos anos 1990 já estava um saco).  Quando não existiam outros circuitos, tudo se passava lá.  Vinha um caminhão, passava, todo mundo pulava na pipoca, se divertia, paquerava, bebia uma cerveja com amigos no meio da rua esperando próximo trio.  Mas a fama foi crescendo pelo Brasil afora...  O carnaval de rua de Salvador, onde as coisas acontecem, foi cada vez mais divulgado, pelos mesmos "barões-do-carnaval" de hoje: Daniela, Chiclete, Ivete, Asa, Eva e outras porcarias mercantilistas, que perceberam um nicho gigantesco de mercado para suas músicas incrivelmente ruins.  Você não concorda?  Respeito sua opinião!  Faça o seguinte teste: lá pelos meados de agosto, coloque em casa um CD do Chicletão e ouça-o inteiro sem dispersar.  Impossível.  A tal música é fabricada para ser pano de fundo para uma multidão "sair do chão".  E o carnaval da Bahia conseguiu piorar o que já era muito ruim com aparição (isso mesmo, coisa de outra mundo) de Psiricos, Xandys, Prangolês e outros lixos.  A mídia local (e nacional) também é dominada pela paixão...  pelo amor... pelo amor ao dinheiro.  Ora, pelo amor de Deus.  Os menos de 10 empresários dessa indústria são os mesmos há 25 anos, tocando o mesmo lixo, mas lucrando muito.  Enfim, e daí, né?  Daí que em função disso, Salvador não faz mais nada.  O carnaval é o câncer que destruiu a cidade, provavelmente a orla mais feia do país.  A Barra, que antes servia de ponto de paquera na rua (tipo rua Augusta em Sampa) e nos bares, hoje fica às moscas e no escuro o ano inteiro.  Há locais que ficam fechados e não são alugados, pois o proprietário ganha mais dinheiro em uma semana do que no ano todo.  Os mafiosos do carnaval fizeram seu lobby e aumentaram o espaço para o carnaval dos ricos.  Os pobres ficam de fora, mas podem ficar nos "animadíssimos" e intermináveis desfiles dos blocos afros.  É a logica do apartheid e da segregação.  E nem adianta vir dizer que é racismo ou discriminação com negros, que não tem nada a ver, pois é discriminação com quem não tem dinheiro.
O carnaval passa como a tal caravana e fica o vazio da espera.  Para mim, felizmente vi um carnaval de 2013 decadente e com os empresários sentindo o golpe.  Já há grandes trios que admitem sair para o pipoca, outros falam em abolir as cordas e por aí vai.  Trata-se da constatação de que a massa de gente tem diminuído e, com ela, os lucros.  Também deve ter gente que quer acabar com tudo para construir prédios.  Não, não é piração minha.  Passava um trio e demorava de vir outro, além disso havia uma rigorosa e multante fiscalização que obrigava os caminhões a andar no horário para não atrasar os outros.  Lindo isso. A folia diária acabava lá pelas 2 ou 3 da manhã.  Quem foi naninha...
O carnaval vai mudar em Salvador, senão vai parar de dar lucro aos de sempre, incluindo os governos.  Alguma coisa esses gênios do marketing farão para perpetuar ou reposicionar a marca.  O processo deve ser o de voltar a atrair massa de gente para a pipoca.  Forma-se a plateia ou o cliente e depois se cobra.  Acho que os empresários vão ter de amargar uma redução de lucro na praça Salvador, porque esse pessoal faz carnaval o ano inteiro no Brasil inteiro e no exterior.  Mas tá cansando o povo...  e daí é que vem a grana.

Sinceramente, espero que o carnaval de Salvador jamais se recupere e morra por um tempo para ressurgir do tamanho exato da folia, seja lá qual for esse tamanho, mas que nele não estejam os industriais que alimentam o câncer que acaba com a cidade.

E como já dizia a música "Cadê o trio" de 1982:

"Se a gente com o trio não pula
A culpa é de quem manipula
E não pula o carnaval".


Mano Jone

1 comentários:

Jota disse...

Genial, o tempo passa e a matéria continua atualíssima; 2016 é o ano em que esta tese continua a ser provada. Esta semana vi pela televisão diversas alusões aos blocos de Rio, São Paulo e Recife/Olinda; nada de Salvador. Todos blocos livres, ou seja semelhantes aos pipocas de Salvador. Será o inicio do fim? ou inicio da retomada de um carnaval do povo ou para o povo, sem os blocos camaleões e semelhantes que acharcam ou quase o sofrido mas sempre alegre e cativante povo baiano.

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