segunda-feira, 8 de julho de 2013

Brasil, país da esperteza

O Aurélio nos ensina que Esperteza é:
s.f. Qualidade de esperto. / Virtude de clara e fácil penetração espiritual; vivacidade ou agudeza de espírito. / Sutileza, sagacidade, finura, astúcia, manha: a esperteza nem sempre é acompanhada de uma inteligência sistemática.

No Brasil não é preciso um diploma ou uma sólida formação acadêmica para ocupar um lugar digno no mercado de trabalho.  Aqui é preciso ser esperto.  Estamos no país da esperteza, que se manifesta em todos os lugares e ocasiões.  Um grande exemplo é o chamado "jeitinho brasileiro". O que é isso se não um golpe, uma facilidade conseguida por se conhecer alguém mais esperto, um jeito de burlar o que está estabelecido. Leis e regras podem ficar velhas com o passar dos anos, mas aqui se prefere deixar esse emaranhado infindável de leis exatamente para que não possamos entendê-las.  Pouco se faz para atualizar as leis e abre-se espaço para a malandragem.  Um ditado italiano diz algo como "fatta la legge trovato l'imbroglio", ou seja, no momento em que a lei é aprovada se cria a maneira de burlá-la.  Até porque essas leis nascem com as chamadas "brechas".

Aprendemos a mentir desde pequenos como estratégia para esconder um pensamento que é só nosso.  Dessa forma, temos algo que ninguém tem.  Logo depois, descobrimos que a manipulação adequada da mentira pode trazer benefícios.  Alguns se acostumam com essa estratégia e não incluem um código de ética adequado onde a retidão de caráter seja um pilar.  Esses usarão a mentira para sempre.  Quando o caldo da formação do caráter inclui a necessidade de aprovação do outro e uma pitada de narcisismo, está pronto o que convencionamos chamar de "político".  Ou seja, alguém esperto, que sabe manobrar os recursos existentes ou não em favor próprio.  Sempre em favor próprio.  As pessoas que apoiam esse político, também miram em alguma benesse, algum destaque em relação aos reles seres humanos comuns.  Ou seja, eles querem se dar bem, passar na nossa frente sem que nós tenhamos nem sequer a noção de que isso está acontecendo.  São aquelas pessoas que enquanto você aguarda pacientemente no trânsito com seu carro direitinho na fila, eles vêm pelo acostamento passando na sua frente e rindo de que como você é otário e "mole".  São os mesmos que furam qualquer fila. São uns caras-de-pau.
 
Político não defende o povo, mas ao seu projeto particular.  O povo só recebe algo quando esse mesmo político vê ameaçada sua permanência no poder.  O chamado "grupo político" não passa de pessoas reunidas para rirem às nossas custas, nos roubando se necessário, nos excluindo e por aí vai.  Eles são espertos, assim como um ladrão comum, que prepara seu golpe para roubar.  Quando o ladrão além de não ser inteligente, também não é esperto, então ele passa para o assalto a mão armada.  Os ladrões espertos pensam cuidadosamente numa estratégia eficiente e o assaltado só é percebido depois ou, pior, nunca.  Aí estão os estelionatários e outros assemelhados.  Usam da esperteza.  Nesse caso, é até explicável, pois são pessoas que estão à margem da sociedade "normal", mas vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores e presidente não são excluídos, marginalizados.  Então, não há atenuante.

Quantas vezes vemos alguém ser promovido numa empresa sem que tenha condições para tal?  Inúmeras.  A pergunta é sempre a mesma: o que ele tem de diferente?  Em alguns casos, o diferencial é a inteligência, a formação acadêmica, o raciocínio lógico para resolver questões que os outros não veem.  De outro lado, estão os puxa-sacos, os hipócritas, os invejosos, fracos, narcisistas e mentirosos.  Claro que tudo isso vem numa roupagem elegante, não só nos trajes, mas nas palavras e na sensação de que eles poderão resolver todos os problemas.  Aliás, resolver problemas muitas vezes criados por eles mesmos.  Você conhece alguém assim?  Que azar!  Você é assim?  Que sorte, pois você está fazendo a coisa errada num país com uma sociedade que pensa ao contrário, ou seja, você está certo.  E, nós outros, que tentamos fazer tudo como manda a cartilha, somos apenas uns otários a serviço da esperteza alheia.  Somos um estoque a ser usado, como bois pastando hoje e sendo enchurrascados a qualquer momento.

Muitas são as críticas à classe política, mas pense bem se não fazemos parte dessa cultura da esperteza.  Será que os políticos não nos representam mesmo?  Creio que representam a classe dos espertos.  Para mim toda esperteza política é um truque, um lance para desviar nossa atenção e, enquanto olhamos para um lado, o ladrão corre do outro.  O país do futebol, vibra com os dribles mágicos de um craque.  O drible, sinto muito, é um truque para enganar o outro.  Será que nos identificamos com isso?  O craque não quer saber o que ou quem está pela frente, quer apenas atingir seu gol.  Há regras, é verdade, mas são burladas a todo tempo.  O drible mágico deixa o zagueiro no chão, abatido com um touro na arena.  Ele o otário perdedor, o craque o vencedor por ter artimanhas de passar por cima do outro com bola e tudo.  A essa altura alguém pergunta: mas se o escritor deste texto levar tudo por esse lado sobra o quê?  Pois é, sobra muito pouco e é por isso que vivemos num país subdesenvolvido à mercê de espertalhões, que querem ficar sempre no poder para obter suas benesses, nem que isso custe o cerceamento da liberdade alheia.

Martin Luther King disse que não se preocupava com o grito dos maus, mas com o silêncio dos bons. Junho de 2013 parece que alguns bons resolveram sair às ruas para mostrar sua indignação.  Quem observou viu sempre que havia um grupo de baderneiros e vândalos que aproveitavam a situação para benefício próprio, seja eles quais forem.  São os espertos, os oportunistas, que não estão nem aí para o que está acontecendo, mas pensando na sua atuação e como "se dar bem".  Muitos dizem que a bagunça era organizada por partido políticos exatamente para criar um clima favorável para chamar tudo de golpe e fechar o país aos moldes venezuelanos.  Quem se daria bem?  Ora, todos sabemos que não seremos nós, os simples mortais otários, manipulados e alienados.
 
Em todos os lugares do mundo as manifestações populares de massa acontecem na primavera.  A mais recente foi a "Primavera Árabe".  No Brasil aconteceu no inverno, talvez bem adequado à desesperança que nos atordoa.  Os governos, espertos, começam a se mexer para agradar a essas massas populares, pois 2014 é ano de eleição.  A popularidade da presidente caiu para 30%, despencando 27 pontos percentuais em três semanas.  Como disse Ulysses Guimarães, político só tem medo do povo na rua.  É isso mesmo, a única coisa que podemos inspirar na classe política é o medo, porque o respeito jamais teremos.

Mano Jone

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Saudade dos tempos em que as coisas estavam no lugar...

Saudade dos tempos em que as coisas estavam no lugar...  Pelo menos para mim, as coisas estavam lá certas, firmes e fortes.  Meu pai e minha mãe juntos comigo.  De meu pai a saudade.  De minha mãe ainda a dor a ser convertida em saudade.  E assim vou ressignificando a insignificância de minha finitude.
Aí vai o poema "Oito Anos" de Casimiro de Abreu.


Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!
Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
— Pés descalços, braços nus
— Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
................................
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!