quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O capitalismo, o sono, a ignorância e a falta de educação.

É impressionante como algumas pessoas se incomodam ao saber que o outro está dormindo. Esse outro pode ser qualquer um.  Os incomodados têm perfis variados, mas todos são vítimas e disseminadores da ideologia capitalista.  Esses verdadeiros guardiães da vigília eterna são os mesmos que sempre ouviram que “o trabalho dignifica o homem”, “Deus ajuda quem cedo madruga” ou outras baboseiras para que as pessoas trabalhem mais e gerem mais lucro.  O tempo de descanso para o capitalismo seria de, no máximo, oito horas e no local de trabalho, pois sabe como é, pode ser necessária alguma coisa de madrugada e o guerreiro já está lá.  Na maioria são pessoas que acordam cedo e só. Administram mal seu tempo durante o dia, chegam a se arrastar no trabalho ou qualquer outra atividade, mas estão acordadas.  Há lugares onde o sujeito é mau caráter, bate na mulher, é grosseiro, mulherengo, mas uma voz diz “Ele é tudo isso, mas é trabalhador”.  Palavra mágica que cala a todos e transforma o “coisa-ruim” num cidadão respeitável.  Pense na situação: você está em casa e alguém aparece ou telefona e desfere sem cerimônia ou educação a pergunta: “você estava dormindo?”  A resposta é quase sempre um não.  As pessoas dormem escondidas como se fosse um vício repugnante.  Como fumar escondido no banheiro.  As pessoas mentem que estão acordadas, dizem que já fizeram um monte de coisas e ainda são oito da manhã.  A pessoa diz tudo isso porque não quer ser taxado de dorminhoco e, na sequência, de vagabundo, relapso, irresponsável.  Dormir pode sim, mas das dez da noite até as cinco ou seis da manhã.  Os vigilantes do sono dão um desconto de uma ou duas horas se for um domingo ou feriado, afinal a pessoa trabalhou muito.  E é isso aí: vive-se para trabalhar quando o certo deveria ser trabalhar para viver.  Gente chata e ignorante, pois não percebe que foram bitoladas e alienadas na ideologia capitalista mais básica.  Longe de mim fazer apologia à vadiagem, até porque não tem nada a ver uma coisa com outra, mas há relógios biológicos diferentes e o mais importante de tudo: ninguém tem nada a ver com o que o outro faz de sua vida.  Um vigilante do sono normalmente tem necessidade de rotular alguém como dorminhoco ou coisa parecida, pois precisa mostrar ao mundo que ele sim está sempre alerta (tal um escoteiro).  Precisam gritar para o mundo que andam o dia inteiro fazendo coisas.  Observe um ser desses.  Podem até fazer muitas coisas, mas nem sempre certas e nem sempre da melhor forma.  Eles têm pavor do julgamento do outro.  Já vi caso em que antes até de o sujeito falar bom dia, já solta a crítica: “você estava dormindo até esta hora?”.  É invasivo.  É falta de educação.  É ignorância.  É insegurança.  É a necessidade de rotular a si próprio, através da rotulagem do outro.  É uma chatice.

O mundo avançaria muito se cada um cuidasse da própria vida.  Infelizmente, muitas pessoas não conseguem ver seus defeitos e, portanto, não precisam se melhorar.  Para isso basta apontar algo que considera errado no outro, afinal o bom só existe quando comparado ao ruim; o honesto ao desonesto e assim por diante até chegar ao que exerce seu livre direito de dormir e o ignorante que precisa ser reconhecido como alguém que “faz”.


Xô gente chata e inconveniente!  E como diria a Colombina: “Pierrô cacete, vai tomar sorvete com o Arlequim”.   Entendeu, né?


 
Mano Jone

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